História da
Ganadaria Infante da Câmara
Em 1799 Emílio Ornelas Infante da Câmara nasce no seio de numa família descendente de Nuno Tristão, navegador português do século XV, que explorou a costa africana às ordens do Infante Dom Henrique. Nuno Tristão teve um filho chamado João Infante, cujo apelido terá tomado por se criar na Casa do Infante D. Henrique, ou por seu pai o ter por alcunha. Esta terá sido a origem do apelido “Infante”.
Em 1856 Emílio Ornelas Infante da Câmara fundou aquela que se tornaria numa das ganadarias históricas da tauromaquia. Nas ruas de Lisboa, os cartazes afixados nas paredes anunciavam a corrida prevista para 28 de Setembro de 1856, onde 15 toiros iriam ser lidados. Terá sido a primeira corrida que deu início a 168 anos contínuos de história na mesma família, até aos dias de hoje, cruzando três séculos e seis gerações de ganadeiros Infante da Câmara.
Emílio Ornelas fundou a sua ganadaria pela compra da ganadaria do Barão de Almeirim, uma ganadaria de casta portuguesa, com o ferro OIC, divisa azul e solar na Quinta de Alpompé. Há mais registos da presença da ganadaria na Praça Lisboeta do Campo de Santana em 1858, fornecendo 15 toiros para a corrida de 27 de Junho, que foram lidados pelos cavaleiros João dos Santos Sedvem e Diogo henriques Bettencourt. A 11 de Julho de 1859 lidaram-se nesta praça toiros Infante da Câmara que foram lidados pelo espada José Suárez e os bandarilheiros António Mañero e Paquito.
Com a morte de Emílio Ornelas Infante da Câmara em 1875, a ganadaria passa para as mãos do seu filho Emílio Cezan Infante da Câmara nascido a 18 de Julho de 1853. Este mantém o ferro OIC, a divisa será azul celeste e branca. Através da sua mulher, Emília da Mota, herda também, em 1880, a ganadaria do sogro, José da Mota Gaspar, e a Quinta do Castilho, vizinha de Alpompé. Ganadaria e quinta eram provenientes do histórico ganadeiro Rafael José da Cunha, que as legou a José da Mota Gaspar. Estas circunstâncias colocam a Emílio Cezan Infante da Câmara na situação extraordinária de ser herdeiro de algumas das mais importantes ganadarias da segunda metade do séc. XIX, numa época em que predominam as ganadarias de casta portuguesa e o toiro corrido.
A ganadaria deixou a sua marca na Praça lisboeta do Campo de Sant’Ana, mas é na praça que lhe sucede, o Campo Pequeno, que terá os maiores momentos de glória. A ganadaria inaugura a praça de toiros do Campo Pequeno de Lisboa a 18 de Agosto de 1892. Segundo a crónica do escritor António Rodovalho Duro “Zé Jaleco” “a lide não foi nesta função das mais animadas, porque os toiros de Emílio Infante eram de respeito e os artistas, para terem com eles a devida consideração, não se atreveram a incomodá-los com as férreas carícias”. A bravura e exigência dos toiros traduziram-se nas colhidas dos bandarilheiros Roberto da Fonseca, Vicente Roberto, Joaquim Peixinho filho, Felipe Aragón Minuto e Vicente Méndez Pescadero.
A ligação entre a ganadaria Infante da Câmara e o Campo Pequeno será intensa: vai lidar nesta praça várias dezenas de toiros por temporada, tornando-se a ganadaria de referência em Lisboa, bastando dizer que é a ganadaria escolhida para a corrida de 18 de Dezembro de 1892 para a despedida de “Lagartijo” e, a 20 de Julho de 1893, para a estreia de “Guerrita”, duas das maiores figuras do toureio do seu tempo.
Em 1901 Emílio Cezan cruza uma parte da vacada com um semental de Palha Blanco da linha de Veragua, que leva separadamente, indicando a sua preocupação no apuramento da ganadaria, na direção da “nova” bravura do toiro espanhol. Nesse ano, a 11 de Julho, Francisco Simões Serra toma a alternativa com toiros Infante no Campo Pequeno.
No ano seguinte ganha o primeiro prémio com o toiro “Caperuzo” na corrida-concurso de Lisboa, competindo com toiros de Faustino da Gama, Castelo Melhor e de Correia Branco. Na corrida de 20 de Abril de 1902 lidou 10 toiros: “Quatro da antiga casta portuguesa, para a lide a cavalo, e seis da nova casta que está afinando e da qual é semental um toiro de Palha Blanco.” “Dois da antiga casta resultaram muito bravos, o quarto e o nono…”. “Os toiros deste novo cruzamento eram de pintas variadas, um berrendo em castanho, outro negro e quatro berrendos.” As pelagens já reflectiam a introdução do sangue Veragua.
Em 1910 divide cartel em Lisboa com José de Lacerda Pinto Barreiros, na estreia de Joselito Gomez “Gallito”, que alternou com Eduardo Macedo e com o Morgado de Covas. Emilio Infante vende, nesse ano, vacas a António Rodrigues Vaz Monteiro; o semental “Caracol” a Frederico Bonacho. Como presente de casamento oferece ao seu genro, Norberto de Mascarenhas Pedroso, cerca de trinta vacas e um semental, com os quais este criaria a sua ganadaria, que será um dos últimos redutos da casta portuguesa no século XX. O “sangue” Infante da Câmara foi-se disseminando pelo campo bravo português.
O “Caraça”, “Caldeiro”, “Rochete”, “Dourado”, “Americano”, “Sarillo” e o “Judeu” foram alguns dos toiros célebres da ganadaria nesta fase: o “Judeu” é reconhecido como um dos melhores toiros deste ferro lidado várias vezes, tendo sido um semental que deixou uma descendência magnífica; o “Dourado” foi lidado 7 vezes; e o “Caraça”, o mais célebre de todos, cuja fama perdura até hoje, foi várias vezes anunciado nos cartéis da época, muitas vezes como a figura do cartel. Foi lidado 10 vezes (a primeira em 1887 na praça do Campo de Sant’Ana, depois Sintra, Viseu, Nazaré, Tomar, Porto, Vendas Novas, duas vezes no Campo Pequeno).
Posteriormente terá sido oferecido ao rei D. Carlos I, integrando a ganadaria da Casa de Bragança, mas outra versão indica que foi vendido para semental a Francisco Silva Vitorino. Emílio Cezan Infante da Câmara foi sem dúvida um dos nomes mais importantes da ganadaria portuguesa, num trabalho ganadeiro de 51 anos de apuramento da bravura.
Emílio Cezan morre em Lisboa em 1923, sucedendo-lhe os seus filhos, Emílio e José, que continuam a gestão da exploração agrícola sediada na Quinta de Alpompé. Anunciam a ganadaria como Infante da Câmara&Irmão, mantendo ferro e divisa de seu pai.
São uma nova geração que procura um novo tipo de toiro e de investida, compreendendo que o toiro de casta portuguesa e de Veragua já não respondem à bravura que o toureio do seu tempo necessita. O futuro está na casta Vistahermosa, como o provaram Joselito e Belmonte.
Começam por introduzir um semental de Félix Moreno Ardanuy (antes Saltillo), com o objectivo de reforçar o sangue de Vistahermosa na vacada. A sua ambição de lidar em Espanha leva-os a comprarem, em 1924, a ganadaria de Campos Varela, com ferro CV e divisa azul, branca e encarnada pertencente à Unión de Criadores de Toros de Lídia, abrindo-se assim as portas do mercado espanhol.
Em 1933 Emílio e José compram metade da ganadaria de José Alves do Rio, de pura procedência Tamarón e Pardalé, que cruzam com o semental “Farolito”, oferecido pelo Marquês de Villamarta, e outro do Conde de la Corte, chamado “Mayorquino”, que gerou uma extraordinária descendência. O resultado deste novo caminho para a ganadaria estreia-se em Sevilha, em 1937, com um curro de filhos deste semental, numa corrida em que obtiveram grandes triunfos Manolo Bienvenida e João Núncio, tendo ficado na memória como uma das mais bravas e completas corridas da história da ganadaria. Introduzem-se também sementais de Belmonte e Guardiola-Soto, de encaste Gamero-Cívico.
Em setembro de 1942, em Salamanca, lidaram Domingo Ortega, Manolete, Belmonte Chico e Pepe Luiz Vázquez uma corrida histórica e triunfal, tal como a célebre corrida de 8 de Junho de 1944 em Toledo, que lidaram Morenito de Valência, António e Ángel Luís Bienvenida. Desta fase destacam-se os toiros “Ribatejo”, “Azeitono”, “Texugo”, “Cardino”, “Raposo” e “Campino”, sendo das ganadarias preferidas de todos os toureiros nas décadas de 30, 40 e 50. As grandes figuras do toureio espanhol como Domingo Ortega, Manolete, Alvaro Domecq y Diez ou António Bienvenida são presenças habituais nos tentaderos de casa.
Depois de 24 anos de extraordinários resultados os irmãos decidiram dividir a ganadaria em 1947, ficando Emílio com o ferro original (OIC) e metade da vacada e José com o ferro de Campos Varela (CV) e a outra metade da ganadaria.
Como curiosidade, os toiros dos herdeiros de Emílio deram volta ao mundo, pois foram os toiros usado nas filmagens do conhecido filme “Quo Vadis”, de 1950, gravado na Cinecittá em Roma.
A parte que correspondeu a José continuou a ser gerida pelo próprio e anunciada como ganadaria de José Infante da Câmara. Este usou dois ferros na sua ganadaria. Ferrou as reses para lide em Espanha com o ferro CV e as reses lide em Portugal com o ferro JIC.
A 23 de outubro de 1949, aquando da Visita de Estado de Franco a Portugal, realizou-se uma corrida de Gala à Antiga Portuguesa no Campo Pequeno, em sua homenagem, com toiros de José Infante da Câmara. A antiguidade em Madrid foi obtida a 14 de Setembro de 1958.
Buscando uma vez mais os novos caminhos da bravura, eliminou as reses herdadas de seu pai e as que eram oriundas de Alves do Rio, mantendo a linha Campos Varela, sangue Tamarón de origem Ibarra. Refrescou a ganadaria com sementais de Guardiola-Soto, de encaste Gamero-Cívico, e com dois sementais de Juan Pedro Domecq de Villavicencio, em 1960, que ligaram maravilhosamente. Ainda hoje este sangue Veragua/Domecq se identifica na característica pelagem salpicada dos toiros Infante.
Em 1962 com a morte de José Infante da Câmara, a ganadaria passa para os seus filhos Maria Luísa e José Ribeiro da Silva Infante da Câmara, e é anunciada com a designação de Herdeiros de José Infante da Câmara.
A 7 de Junho 1964 é uma das ganadarias que inaugura Praça de Toiros Celestino Graça, em Santarém, numa corrida de lotação esgotada numa corrida «à antiga portuguesa», que contou com a presença do então Presidente da República, almirante Américo Tomás. Lidaram-se oito toiros, pertencentes às ganadarias de José Infante da Câmara, Oliveiras Irmãos, Joaquim Lima Monteiro, Herdeiros de Paulino da Cunha e Silva, João Gregório, Manuel João Coimbra Barbosa, José da Silva Lico e Dr. Fernando Salgueiro. Integraram o cartel o Dr. Fernando Salgueiro, Manuel Conde, Clemente Espadanal, José Athayde, Pedro Louceiro, David Ribeiro Telles, José Mestre Baptista e José Maldonado Cortes. Pegaram os Forcados Amadores de Santarém e Montemor.
No ano de 1967, na praça de Las Ventas em Madrid, o bravo toiro ‘Desleixado’ recebeu as honras de uma volta à arena, tal como o seu maioral no final da corrida.
Nos anos oitenta, em 1986, a ganadaria volta a refrescar-se com um semental de Juan Pedro Domecq, mas José já não veria os frutos deste semental, pois morreu no ano seguinte, em Sevilha. Com a morte de José Infante da Câmara, a ganadaria passou para os seus filhos.
Tendo sempre acompanhado a história do Campo Pequeno desde a sua inauguração, foi também desta ganadaria que saiu o curro lidado na corrida comemorativa dos cem anos da principal praça de toiros do país, realizada no dia 20 de Agosto de 1992, tendo a ganadaria, na figura do seu ganadero, sido condecorada pelo Presidente da República, Mário Soares.
Depois de reinauguração da praça do Campo Pequeno, a simbiose com a praça da capital voltou a surgir, tendo sido premiada em 2009 com o Galardão Campo Pequeno para o melhor toiro.
Em 2014 a ganadaria é adquirida no seu todo por José Emílio Castro Infante da Câmara aos seus irmãos, tornando-se o único proprietário. Por sua morte em 2021, esta transita para os seus herdeiros. Em 2022 a ganadaria passa ser levada pelo genro de José Emílio, Ricardo Cabaço, casado com a sua filha Constança Infante da Câmara.
Mantém-se a linha Infante herdada e em 2023 é introduzida uma nova linha com a compra de vacas de Nuñez del Cuvillo e Álvaro Nuñez, sementais Nuñez de Cuvillo, Álvaro Nuñez, Talavante e Garcigrande via El Freixo, do matador de toiros “El Juli”. As duas linhas são levadas separadamente.
De novo, como José Infante da Câmara já tinha feito nos anos 40, são utilizados dois ferros com uma mesma divisa: as reses da linha Infante são ferradas com o ferro JIC, destinadas ao toureio a cavalo, e as reses da nova linha, destinadas ao toureio a pé, com o ferro CV, continuando a anunciar-se como Ganadaria Infante da Câmara – Herdeiros de José Infante da Câmara.